quarta-feira, 25 de março de 2009

Trovas a Inês de Castro




Trovas a Inês de Castro
Trovas que Garcia de Resende fez à morte de D. Inês de Castro, que el-rei D. Afonso, o Quarto, de Portugal, matou em Coimbra por o príncipe D. Pedro, seu filho, a ter como mulher, e, polo bem que lhe queria, nam queria casar. Enderençadas às damas.

"Estes homens d'onde irão?"
Qual será o coração tão cru e sem piedade, que lhe não cause paixão uma tão grã crueldade e morte tão sem razão? Triste de mim, inocente, que, por ter muito fervente lealdade, fé, amor ao príncipe, meu senhor, me mataram cruamente!
A minha desaventura não contente d’acabar-me, por me dar maior tristura me foi pôr em tant’altura, para d’alto derribar-me; que, se me matara alguém, antes de ter tanto bem, em tais chamas não ardera, pai, filhos não conhecera, nem me chorara ninguém.
Eu era moça, menina, por nome Dona Inês de Castro, e de tal doutrina e virtudes, qu’era dina de meu mal ser ao revés. Vivia sem me lembrar que paixão podia dar nem dá-la ninguém a mim: foi-m’o príncipe olhar, por seu nojo e minha fim.
Começou-m’a desejar trabalhou por me servir; Fortuna foi ordenar dous corações conformar a uma vontade vir. Conheceu-me, conheci-o, quis-me bem e eu a ele, perdeu-me, também perdi-o; nunca té morte foi frio o bem que, triste, pus nele.
Dei-lhe minha liberdade, não senti perda de fama; pus nele minha verdade, quis fazer sua vontade, sendo mui formosa dama. Por m’estas obras pagar nunca jamais quis casar; pelo qual, aconselhado foi el-rei qu’era forçado, pelo seu, de me matar.
Estava mui acatada, como princesa servida, em meus paços mui honrada, de tudo mui abastada, de meu senhor mui querida. Estando mui de vagar, bem fora de tal cuidar, em Coimbra, d’assossego, pelos campos do Mondego cavaleiros vi somar.
Como as cousas qu’hão de ser logo dão no coração, comecei entristecer e comigo só dizer: “Estes homens onde irão?” E tanto que perguntei, soube logo qu’era el-rei. Quando o vi tão apressado, meu coração trespassado foi, que nunca mais falei.
E quando vi que descia, saí a porta da sala, devinhando o que queria; com grão choro e cortesia lhe fiz uma triste fala. Meus filhos pus de redor de mim com grande humildade; mui cortada de temor lhe disse: - “Havei, senhor, desta triste piedade!
“Não possa mais a paixão que o que deveis fazer; metei nisso bem a mão, qu’é de fraco coração sem porquê matar mulher; quanto mais a mim, que dão culpa não sendo razão, por ser mãe dos inocentes qu’ante vós estão presentes, os quais vossos netos são.
“E tem tão pouca idade que, se não forem criados de mim, só com saudade e sua grande orfandade morrerão desamparados. Olhe bem quanta crueza fará nisto Voss’Alteza, e também, senhor, olhai pois do príncipe sois pai, não lhe deis tanta tristeza.
“Lembre-vos o grand’amor que me vosso filho tem, e que sentir grã dor morrer-lhe tal servidor por lhe querer grande bem. Que, s’algum erro fizera, fora bem que padecera e qu’estes filhos ficaram orfãos tristes e buscaram quem deles paixão houvera;
“Mas, pois eu nunca errei e sempre mereci mais, deveis, poderoso rei, não quebrantar vossa lei, que, se morro, quebrantais. Usai mais de piedade que de rigor nem vontade, havei dó, senhor, de mim, não me deis tão triste fim, pois que nunca fiz maldade!”
El-rei, vendo como estava, houve de mim compaixão e viu o que não olhava: qu’eu a ele não errava nem fizera traição. E vendo quão de verdade tive amor e lealdade ao príncipe, cuja são, pôde mais a piedade que a determinação;
Que, se m’ele defendera que seu filho não amasse, e lh’eu não obedecera, então com razão pudera dar-m’a morte qu’ordenasse; mas vendo que nenhum’hora, dês que nasci até’gora, nunca disso me falou, quando se disto lembrou, foi-se pela porta fora.
Com seu rosto lagrimoso, co propósito mudado, muito triste, mui cuidoso, como rei mui piedoso, mui cristão e esforçado. Um daqueles que trazia consigo na companhia, cavaleiro desalmado, de trás dele, mui irado, estas palavras dizia:
“-Senhor, vossa piedade é digna de reprender, pois que, sem necessidade, mudaram vossa vontade lágrimas duma mulher. E quereis qu’abarregado, com filhos, como casado, estê, senhor, vosso filho? De vós mais me maravilho que dele, qu’é namorado.
“Se a logo não matais, não sereis nunca temido nem farão o que mandais, pois tão cedo vos mudais do conselho qu’era havido. Olhai quão justa querela tendes, pois, por amor dela, vosso filho quer estar sem casar e nos quer dar muita guerra com Castela.
“Com sua morte escusareis muitas mortes, muitos danos; vós, senhor, descansareis, e a vós e a nós dareis paz para duzentos anos. O príncipe casará filhos de benção terá, será fora de pecado; qu’agora será anojado, amanhã lh’esquecerá.”
E ouvindo seu dizer, el-rei ficou mui torvado por em tais estremos ver, e que havia de fazer ou um ou outro, forçado. Desejava dar-me vida, por lhe não ter merecida a morte nem nenhum mal: sentia pena mortal por ter feito tal partida.
E vendo que se lhe dava a ele tod’esta culpa, e que tanto o apertava, disse àquele que bradava: “-Minha tenção me desculpa. Se o vós quereis fazer, fazei-o sem mo dizer, qu’eu nisso não mando nada, nem vejo essa coitada por que deva de morrer.”
Fim
Dous cavaleiros irosos, que tais palavras lh’ouviram, mui crus e não piedosos, perversos, desamorosos, contra mim rijo se viram; com as espadas na mão m’atravessam o coração, a confissão me tolheram: este é o galardão que meus amores me deram.


Trovas que Garcia de Resende fez à morte de D. Inês de Castro, que el-rei D. Afonso, o Quarto, de Portugal, matou em Coimbra por o príncipe D. Pedro, seu filho, a ter como mulher, e, polo bem que lhe queria, nam queria casar. Enderençadas às damas.

"Estes homens d'onde irão?"
Qual será o coração tão cru e sem piedade, que lhe não cause paixão uma tão grã crueldade e morte tão sem razão? Triste de mim, inocente, que, por ter muito fervente lealdade, fé, amor ao príncipe, meu senhor, me mataram cruamente!
A minha desaventura não contente d’acabar-me, por me dar maior tristura me foi pôr em tant’altura, para d’alto derribar-me; que, se me matara alguém, antes de ter tanto bem, em tais chamas não ardera, pai, filhos não conhecera, nem me chorara ninguém.
Eu era moça, menina, por nome Dona Inês de Castro, e de tal doutrina e virtudes, qu’era dina de meu mal ser ao revés. Vivia sem me lembrar que paixão podia dar nem dá-la ninguém a mim: foi-m’o príncipe olhar, por seu nojo e minha fim.
Começou-m’a desejar trabalhou por me servir; Fortuna foi ordenar dous corações conformar a uma vontade vir. Conheceu-me, conheci-o, quis-me bem e eu a ele, perdeu-me, também perdi-o; nunca té morte foi frio o bem que, triste, pus nele.
Dei-lhe minha liberdade, não senti perda de fama; pus nele minha verdade, quis fazer sua vontade, sendo mui formosa dama. Por m’estas obras pagar nunca jamais quis casar; pelo qual, aconselhado foi el-rei qu’era forçado, pelo seu, de me matar.
Estava mui acatada, como princesa servida, em meus paços mui honrada, de tudo mui abastada, de meu senhor mui querida. Estando mui de vagar, bem fora de tal cuidar, em Coimbra, d’assossego, pelos campos do Mondego cavaleiros vi somar.
Como as cousas qu’hão de ser logo dão no coração, comecei entristecer e comigo só dizer: “Estes homens onde irão?” E tanto que perguntei, soube logo qu’era el-rei. Quando o vi tão apressado, meu coração trespassado foi, que nunca mais falei.
E quando vi que descia, saí a porta da sala, devinhando o que queria; com grão choro e cortesia lhe fiz uma triste fala. Meus filhos pus de redor de mim com grande humildade; mui cortada de temor lhe disse: - “Havei, senhor, desta triste piedade!
“Não possa mais a paixão que o que deveis fazer; metei nisso bem a mão, qu’é de fraco coração sem porquê matar mulher; quanto mais a mim, que dão culpa não sendo razão, por ser mãe dos inocentes qu’ante vós estão presentes, os quais vossos netos são.
“E tem tão pouca idade que, se não forem criados de mim, só com saudade e sua grande orfandade morrerão desamparados. Olhe bem quanta crueza fará nisto Voss’Alteza, e também, senhor, olhai pois do príncipe sois pai, não lhe deis tanta tristeza.
“Lembre-vos o grand’amor que me vosso filho tem, e que sentir grã dor morrer-lhe tal servidor por lhe querer grande bem. Que, s’algum erro fizera, fora bem que padecera e qu’estes filhos ficaram orfãos tristes e buscaram quem deles paixão houvera;
“Mas, pois eu nunca errei e sempre mereci mais, deveis, poderoso rei, não quebrantar vossa lei, que, se morro, quebrantais. Usai mais de piedade que de rigor nem vontade, havei dó, senhor, de mim, não me deis tão triste fim, pois que nunca fiz maldade!”
El-rei, vendo como estava, houve de mim compaixão e viu o que não olhava: qu’eu a ele não errava nem fizera traição. E vendo quão de verdade tive amor e lealdade ao príncipe, cuja são, pôde mais a piedade que a determinação;
Que, se m’ele defendera que seu filho não amasse, e lh’eu não obedecera, então com razão pudera dar-m’a morte qu’ordenasse; mas vendo que nenhum’hora, dês que nasci até’gora, nunca disso me falou, quando se disto lembrou, foi-se pela porta fora.
Com seu rosto lagrimoso, co propósito mudado, muito triste, mui cuidoso, como rei mui piedoso, mui cristão e esforçado. Um daqueles que trazia consigo na companhia, cavaleiro desalmado, de trás dele, mui irado, estas palavras dizia:
“-Senhor, vossa piedade é digna de reprender, pois que, sem necessidade, mudaram vossa vontade lágrimas duma mulher. E quereis qu’abarregado, com filhos, como casado, estê, senhor, vosso filho? De vós mais me maravilho que dele, qu’é namorado.
“Se a logo não matais, não sereis nunca temido nem farão o que mandais, pois tão cedo vos mudais do conselho qu’era havido. Olhai quão justa querela tendes, pois, por amor dela, vosso filho quer estar sem casar e nos quer dar muita guerra com Castela.
“Com sua morte escusareis muitas mortes, muitos danos; vós, senhor, descansareis, e a vós e a nós dareis paz para duzentos anos. O príncipe casará filhos de benção terá, será fora de pecado; qu’agora será anojado, amanhã lh’esquecerá.”
E ouvindo seu dizer, el-rei ficou mui torvado por em tais estremos ver, e que havia de fazer ou um ou outro, forçado. Desejava dar-me vida, por lhe não ter merecida a morte nem nenhum mal: sentia pena mortal por ter feito tal partida.
E vendo que se lhe dava a ele tod’esta culpa, e que tanto o apertava, disse àquele que bradava: “-Minha tenção me desculpa. Se o vós quereis fazer, fazei-o sem mo dizer, qu’eu nisso não mando nada, nem vejo essa coitada por que deva de morrer.”
Fim
Dous cavaleiros irosos, que tais palavras lh’ouviram, mui crus e não piedosos, perversos, desamorosos, contra mim rijo se viram; com as espadas na mão m’atravessam o coração, a confissão me tolheram: este é o galardão que meus amores me deram.

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