quarta-feira, 25 de março de 2009

A Lenda de Inês de Castro

A LENDA
Cuidarão alguns que recordar Inês de Castro é desenterrar o passado duma mulher perversa, geradora de amores proibidos.Há razões mais fortes que nos obrigam a um outro tipo de reconhecimento.Inês de Castro é uma figura nacional, divulgada entre os meios culturais internacionais, mas é, sobretudo, um referente cultural da população de Coimbra. Referimo-nos à população em geral, não estritamente às pessoas letradas. O comum dos habitantes da cidade e dos arredores é afectivamente ligado a esta figura, emotivamente venerador da Inês lendária, do mito.Os paços de Santa Clara, então localizados na margem esquerda do idílico Mondego, deram guarida aos amores malditos de Pedro e Inês, quando libertos da Rainha D. Constança, morta de parto. Na celebração romanesca destes campos de Coimbra resta a memória da paixão ardente, que não da união marginal às normas morais ou das implicações políticas nefastas deste romance consumado.Os paços de Santa Clara foram também o cenário da morte de Inês por degolação (ou decapitação?) em 7 de Janeiro de 1355. Assim, esta "terra de encantos" configura o espaço da paixão e da tragédia, elementos fulcrais de sedução para a efabulação, para a construção de um mito, quanto mais sendo a vitima "inocente" uma mulher nobre e bela.A tradição popular, em ímpeto solidário com a dor de Inês, atribui a parte da quinta do Pombal, onde se situou o paço de Santa Clara, o poético nome de Quinta das Lágrimas (onde Luís de Camões situa a tragédia) e quer mesmo ver, na vegetação de tons avermelhados que atapeta a Fonte dos Amores, o próprio símbolo do sangue derramado por Inês.0 certo é que Coimbra, e mais precisamente a margem esquerda do rio Mondego, se deixou amorosamente cativar por esta sedutora lenda, a que o povo foi acrescentando pormenores episódicos, todos eles contribuindo para uma auréola de poética nostalgia.A lenda reveste-se de tonalidades quase eufóricas com a crença na coroação "post-mortem" de Inês e a macabra cena do beija-mão pelos fidalgos da corte, perante um Pedro enlouquecido pelo luto ...
( ..........................................."0 caso triste e dino de memóriaQue do sepulcro os homens desenterra,Aconteceu da mísera mesquinhaQue despois de morta foi Rainha"
(Os Lusíadas, Canto III, est. 118)
A Luís Vaz de Camões, o maior poeta português de todos os tempos deixemo-lo só, sem a intromissão de interpretações, com o poder mágico da sua palavra que nos deslumbra e domina:
INÊS DE CASTRO
Estavas, linda Inês, posta em sossego,Dos teus anos colhendo o doce fruto,Naquele engano de alma, ledo e cego,Que a Fortuna não deixa durar muito;Nos saudosos campos do Mondego,De teus formosos olhos nunca enxuto,Aos montes ensinando e às ervinhasO nome que no peito escrito tinhas.... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...Tais contra Inês os brutos matadores,No colo de alabastro. que sustinhaAs obras com que Amor matou de amoresAquele que depois a fez rainha,As espadas banhando e as brancas floresQue ela dos olhos seus regados tinha,Se encarniçavam, férvidos e irosos,No futuro castigo não cuidosos.... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...As filhas do Mondego a morte escuraLongo tempo chorando memoraramE, por memória eterna, em fonte puraAs lágrimas chorados transformaram:O nome lhe puseram, que ainda dura,"Dos amores de Inês ", que ali passaram.Vede que fresca fonte rega as flores,Que lágrimas são a água, e o nome Amores!
Camões, Os Lusíadas, 111, 120, 132 e 135

Sem comentários:

Enviar um comentário